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Conheça as orientações da CNC para o reconhecimento contabilístico de criptomoedas

Falar de contabilidade e criptomoedas não é uma tarefa fácil em Portugal. Afinal, vivemos num país onde a falta de legislação para as criptomoedas isenta estes ativos da maioria das obrigações fiscais e contabilísticas, a menos que estejam associados à atividade profissional de uma empresa ou pessoa.

E por isso mesmo, para os investidores, Portugal é visto como um país cripto-friendly. Mas para os contabilistas, nem sempre é fácil tratar de questões relacionadas com criptoativos. É de realçar, que o termo criptoativos engloba várias nomenclaturas, como criptomoedas ou moedas virtuais, tokens, etc.

Tendo noção que as criptomoedas estão a ser usadas em vários negócios e com diferentes propósitos, a Comissão de Normalização Contabilística Portuguesa emitiu, em julho, algumas orientações para o reconhecimento contabilístico das criptomoedas e dos rendimentos subjacentes.

Dado que esta é uma informação que pode ser complexa à primeira vista, de seguida, tentaremos resumir e simplificar estas orientações. Contudo, caso pretenda conhecer na íntegra as recomendações da CNC, consulte a publicação oficial no site da Comissão.

Como reconhecer contabilisticamente criptomoedas?

Antes de explicarmos como as criptomoedas podem ser reconhecidas e classificadas contabilisticamente, é preciso perceber que o reconhecimento contabilístico está dependente de alguns fatores.

Para as criptomoedas serem reconhecidas contabilisticamente, primeiro, é necessário perceber se estas se qualificam ou não como ativos, de acordo com a Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

Ou seja, para a SNC, um ativo é um recurso que tem de ser controlado por uma entidade, sendo possível identificar resultados passados. No entanto, para que as criptomoedas sejam consideradas como um ativo, a entidade também tem de esperar obter benefícios económicos futuros.

Desta forma, é fundamental que o preparador das demonstrações financeiras avalie se os termos e condições inerentes à posse das criptomoedas reúne as condições para classificá-las como ativos.

No caso das criptomoedas preencherem estes requisitos, então é necessário avaliar quais as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro a aplicar. 

Contudo, não nos podemos esquecer que as criptomoedas têm como caraterística inerente ser uma representação digital baseada em tecnologia blockchain. Logo, são intangíveis por natureza.

E como as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro apenas se aplicam a ativos com substância física, não é possível enquadrá-las como ativos fixos tangíveis, como propriedades de investimento ou na Agricultura.

Desta forma, quando as criptomoedas são consideradas ativos, existem apenas três possibilidades de enquadramento:

  • Instrumentos financeiros: Sendo aplicada a norma contabilística e de relato financeiro nº.27.
  • Inventário: Aplica-se a norma contabilística e de relato financeiro n.º18
  • Ativos intangíveis: Aplicando-se neste último caso a norma contabilística e de relato financeiro n.º6.

Mas para perceber melhor como enquadrar as criptomoedas enquanto ativos, passamos a explicar cada um destes enquadramentos.

Instrumentos financeiros

De acordo com as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro n.27, os instrumentos financeiros são “um contrato que dá origem a um ativo financeiro numa entidade e a um passivo financeiro ou instrumento de capital próprio noutra entidade”.

Tendo em conta esta definição, poderá existir dificuldade em inserir as criptomoedas neste enquadramento. Afinal, é preciso existir uma relação contratual que confere às partes direitos e/ou obrigações.

Mas neste ponto é preciso avaliar a definição de contrato, sendo esta descrita no parágrafo 13 da IAS 32. Além disso, é preciso ter em conta que os contratos, bem como os instrumentos financeiros, podem ter formas variadas e nem sempre precisam de ser formalizados por escrito.

Assim, para que as criptomoedas sejam consideradas instrumentos financeiros, estas têm que dar origem a um contrato que confira direitos e/ou obrigações às partes envolvidas. Caso contrário, não poderão ser enquadradas como instrumentos financeiros.

Exemplos de instrumentos financeiros em que se inserem as criptomoedas

Quando as criptomoedas representam contratos que dão origem a ativos e passivos financeiros na esfera dos respetivos titulares e emitentes, podem qualificar-se como instrumentos financeiros. Por exemplo, quando há contratos que envolvem direitos contratuais ou obrigações para receber ou trocar dinheiro, outros ativos financeiros em condições favoráveis e instrumentos de capital próprio.

Se os instrumentos financeiros forem negociáveis em mercados públicos e cujo o justo valor possa ser determinado de forma fiável, então este é um critério para o reconhecimento das criptomoedas como ativos. No entanto, é preciso que as variações positivas e negativas do justo valor destes ativos se reflitam na demonstração de resultados dos titulares destes ativos.

Inventário

Os inventários são ativos detidos para venda no decurso da atividade empresarial ou no processo de produção para venda ou ainda na forma de materiais/consumíveis a serem aplicados no processo de produção/prestação de serviços.

Assim, será necessário avaliar se as criptomoedas são detidas para venda no decurso ordinário da atividade empresarial. Por norma, as criptomoedas não são usadas na produção de inventários. Logo, excluem-se da associação a materiais ou consumíveis aplicados no processo de produção.

Mas para as criptomoedas serem enquadradas como inventários, normalmente é necessário existir a mensuração pelo custo ou valor realizável líquido (entre os dois prevalece o mais baixo).

Dito isto, é possível enquadrar como inventários, as criptomoedas que não se qualificam como instrumentos financeiros detidas por traders e brokers, para efeitos de revenda ou da realização de lucros baseados em flutuações do mercado num curto prazo, sendo estas avaliadas ao seu justo valor.

Ativos intangíveis

Por fim, os ativos intangíveis são ativos não monetários identificáveis sem substância física. Ou seja, são ativos que têm como principal caraterística a ausência de um direito de receber ou a obrigação de entregar um número fixo ou determinável de unidades monetárias.

Na temática das criptomoedas, estas, por norma, enquadram-se como ativos não monetários quando não se enquadram como instrumentos financeiros ou na definição de caixa.

Contudo, os ativos intangíveis precisam de ter certas características essenciais, como:

  • Serem controlados pela entidade;
  • Serem identificáveis:
  • Não terem substância física;
  • Trazerem benefícios económicos futuros para a entidade.

Neste caso, é preciso ter em conta que no que diz respeito aos benefícios económicos futuros, existem várias criptomoedas que não fornecem um direito contratual a benefícios económicos. Aliás, em vez disso, os benefícios económicos podem resultar de uma venda futura ou até da troca das criptomoedas por certos bens ou serviços.

Mas para um ativo tangível ser identificável, ele precisa ser separável. Ou seja, tem de existir a possibilidade de ser dividido da entidade e vendido, transferido, alugado, trocado ou licenciado. E como a maioria das criptomoedas são transferidas livremente para um comprador são consideradas separáveis.

Já em termos da falta de substância física, como se tratam de uma representação digital, as criptomoedas acabam por enquadrar-se neste conceito.

Resumindo, será necessário avaliar ao pormenor as características e circunstâncias das criptomoedas detidas por cada entidade, de forma a ser possível reconhecê-las a nível contabilístico.

Na Mário Moura Contabilidade temos acompanhado atentamente as atualizações sobre as normas aplicadas às criptomoedas, ajudando vários empresários e empresas nesta área. Por isso, se precisar de ajuda nesta área ou necessitar de esclarecer dúvidas relativas ao seu negócio, teremos todo o gosto de ajudá-lo a si e à sua empresa.

Até breve!

Mário Moura Contabilidade